terça-feira, 15 de junho de 2010

Excesso de entulho em Porto Príncipe desgasta governo haitiano

População começa a se inquietar com imobilidade e pede saída de Préval.Reclamação é de que pouco foi feito para reconstruir país após terremoto.
Por Damien Cave Do New York Times, de Porto Príncipe
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Com pichações e protestos, de tendas abafadas até escritórios com ar-condicionado, os haitianos estão tentando desesperadamente transmitir uma mensagem para seu governo e para o mundo: basta com o status quo.A simples frase “Aba Preval” (“Fora Préval”, uma referência ao presidente do país, René Préval) se tornou símbolo para uma longa lista de frustrações e um epíteto que expressa um medo mais amplo – de que os haitianos fiquem presos no limbo por tempo indefinido, e que a oportunidade de reinventar o Haiti seja perdida.
Depósitos de entulho se tornaram paisagem comum em Porto Príncipe. (James Estring/New York Times)
Embora algumas pessoas tenham desistido completamente do sonho de que um Haiti mais eficiente e justo possa surgir das ruínas, cada vez mais a esperança está dando lugar a um estancamento e à amargura. “É isso mesmo?”, perguntam os haitianos. Eles reclamam que as pessoas com ligações políticas estão se beneficiando da maioria dos trabalhos de reconstrução já iniciados. Eles reprovam a volta da criminalidade, políticos improdutivos e grupos de ajuda humanitária que se esforçam para lidar com metrópoles cobertas de tendas e lonas que parecem mais permanentes a cada dia.“Vamos ficar nesta situação para sempre”, disse Patrick Moussignac, dono da Rádio Caraibes, uma estação popular que realiza sua transmissão a partir de uma tenda no centro da cidade. “Podemos morar nas ruas por 10 ou 20 anos”.Autoridades do governo já pediram paciência várias vezes. Entre oficiais americanos e das Nações Unidas, há uma sensação de que Préval e seus representantes tenham se tornado mais comprometidos, dedicando longos dias a trabalhar num anexo atrás do palácio presidencial, atingido pelo terremoto.Representantes da ONU agora preveem calmamente que as eleições ocorrerão até o final do ano, mas nenhuma alternativa clara a Préval surgiu até o momento.Mas e até lá? E até o novo governo assumir? “Estamos num período de perigosa estagnação”, disse Robert Fatton Jr., historiador da Universidade da Virgínia nascido no Haiti, mas que hoje é cidadão americano.O Parlamento está basicamente dispensado; o poder se concentra em Préval, seu gabinete e uma comissão de reconstrução liderada pelo primeiro-ministro haitiano e o ex-presidente americano Bill Clinton.
Partidas de futebol são uma das raras distrações nos acampamentos. (James Estring/The New York Times)
O povo o Haiti não está satisfeito. Pichações recentes nas principais avenidas agora declaram “Aba Okipasyon” (“Abaixo a ocupação”) e pedem a expulsão das ONGs.Na maior parte das vezes, os haitianos dizem que só querem alguém no comando, dizendo a eles o que esperar. “O povo precisa de uma resposta”, disse Michele Pierre-Louis, primeira-ministra do governo de Préval até o ano passado. Como o presidente não disse às famílias que se abrigam em tendas ou a empresários o que eles podem receber para a reconstrução de suas vidas, ela disse, “eles não sabem aonde o presidente está os levando”.Oportunidades perdidas estão começando a se acumular. Imediatamente após o terremoto, afirmou Pierre-Louis, o banco central do Haiti deveria ter garantido empréstimos ou aliviado suas exigências para ajudar pequenos negócios na reabertura.Antes do fechamento do parlamento, acrescentou Pierre-Louis, legisladores poderiam ter facilitado o investimento por parte da diáspora haitiana – talvez abrandando as regras que determinam que joint ventures tenham 51% do capital haitiano.Isso poderia ter aberto o país a mais pessoas como Alain Armand, 36 anos, advogado haitiano-americano de Fort Lauderdale, Flórida, que hoje tenta abrir vários pequenos negócios aqui em Porto Príncipe, capital do país, incluindo uma pensão.Tentar é a palavra de ordem, ele disse: “Custa US$ 3 mil e leva pelo menos três meses abrir uma empresa. Não existe estrutura organizada na qual nós, os não familiarizados com o mundo das ONGs, podemos operar”.A decepção está se estabelecendo até no “mundo das ONGs”.Reclamações sobre a lentidão do governo no processo de tomada de decisões são comuns. A reconstrução até agora corresponde a uma resposta emergencial em forma de plástico. Cerca de 564 mil tendas foram distribuídas desde o começo de maio, o suficiente para cobrir aproximadamente 1,7 milhões de pessoas; se colocadas ao comprido, elas iriam de Nova York à cidade de Albuquerque.
Falta de planejamento tem criado inquietação na capital haitiana (Foto: James Estring/The New York Times)
As tendas são de grande ajuda, já que as chuvas pesadas do período da tarde começaram, mas não são casas seguras e sólidas. “No começo, achávamos bom”, disse Gaela Rifort, 30 anos, na frente de sua tenda em Petionville, subúrbio de Porto Príncipe. “Mas agora vemos que não é suficiente”.A demanda urgente por mais ajuda também pode ser vista nas pilhas perfeitamente formadas de tijolos que aparecem de repente a cada dia no meio das grandes ruas. Inicialmente, os destroços nas ruas vinham do terremoto; agora, é sinal de que proprietários de terras estão limpando seus terrenos.Garnier Daudin, 69 anos, motorista de táxi e dono de um prédio de apartamentos tombado em Carrefour-Feuille, um bairro da capital, disse não ter escolha, a não ser movê-lo para a rua. “Tenho inquilinos”, ele disse. “Já se passaram cinco meses, e o governo não me disse nada”.Olhando para um cruzamento ali perto, ele acrescentou: “Quando deixamos as coisas aqui na rua principal, o governo tem de vir pegar’.Ou pelo menos é o que ele espera. Em muitas áreas, pilhas que antes estavam na rua foram empurradas mais para perto da calçada e deixadas ali. Uma grande pilha em Route de Delmas foi tão pisada nos últimos meses que os tijolos foram achatados e viraram um caminho cinzento e empoeirado – cruzado por Manoucheka Walker, 22 anos, vendedora de sapatos, que disse: “O governo deixou essa pilha aqui porque não está nem aí’.Logo atrás dela, um grande “Aba Preval” tinha sido pintado no vermelho da bandeira haitiana.Trabalhadores que atuam na reconstrução do país parecem igualmente exasperados. A ONU estima que o terremoto tenha destruído 105 mil lares e afetado outros 208 mil, a maioria em Porto Príncipe. São muitos destroços para as ruas.De fato, quando este repórter acompanhou um dos novos caminhões de descarga alaranjados destinados à reconstrução, o veículo desviou de várias pilhas de entulho, o que atrasou sua chegada a um canal onde coletaria lixo retirado da ravina para evitar inundações.Profissionais haitianos como Frank St.-Juste, 48 anos, engenheiro e proprietário de uma empresa de construção, esperavam mais. Ele disse ter achado que o terremoto levaria a um governo mais aberto e pragmático com procedimentos de licitação, planejamento urbano e padrões internacionais mais rigorosos.Em vez disso, afirmou, ele estava sendo pago por um amigo que tem contrato com uma ONG para limpar casas afetadas – ele se recusou a fornecer o nome da organização. “Não é o jeito certo”, ele disse.St.-Juste estava ao lado de sua escavadeira, em cima do monte próximo a Fort National, um dos bairros mais atingidos pelo tremor. Ele contou que sua empresa era a única designada naquela área. Já era quase noite e ele ainda trabalhava, mas sua escavadeira temporariamente quebrada e quatro caminhões não eram suficientes para o bairro cheio de casas pulverizadas.Quando questionado como ele escolhia que propriedade limpar primeiro, St.-Juste respondeu: “Temos de começar de algum lugar”. Depois, como tantos outros no Haiti, seu ânimo esmaeceu.“Não há noção de prioridade ou sequenciamento”, ele disse. “Não há um plano central”.

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